Estes dias me peguei pensando em entrar em um curso de línguas. Aprender algum léxico estrangeiro, concordância, morfologia. A principio interessante, mas após me lembrar sobre como estes cursos são ministrados percebi porque nunca me interessei em me inscrever em um.
Diálogos impeditivos como este:
- Têm alguém nesta sala
- Sim, têm alguém.
- Há quantas pessoas.
- Há sete pessoas.
- Quantas escrivaninhas há?
- Há duas escrivaninhas.
- Há quantas cadeiras?
- Há quatro cadeiras.
- O que há na parede?
- Na parede há alguns quadros e um relógio.
- São três e meia.
- Há alguém neste escritório?
- Não, agora não há ninguém.
- Há alguma coisa sobre a mesa?
- Sim, há alguma coisa.
- Há várias coisas: flores e uma garrafa de vinho.
- Há alguma coisa sobre a cadeira?
- Não, não há nada. Nada mesmo.
Pois em diálogos como este, eu acabo elucubrando a seguinte cena:
Um homem de um metro e oitenta e três de altura, distinto, vestindo terno e gravata entra na sala. Para diante da escrivaninha, onde se encontra uma senhora baixa, feia e mal encarada, com a maquiagem mal feita entretida nos seus afazeres. O homem olha por ela cerca de treze segundos e pergunta:
- Têm alguém nesta sala?
A cena fica estática por mais oito segundos, quando a senhora responde de forma ríspida de displicente:
- Sim, têm alguém.
Por alguns instantes o homem considera ir embora, mas sem saber exatamente o porquê, continua mantendo contato com a velha senhora:
- Quantas pessoas há?
A resposta já não demora tanto. Contudo ainda em tom de má vontade, mas sem perder a rispidez:
- Há sete pessoas.
Sem ainda saber o motivo de estar diante daquela escrivaninha mantendo contato com tão mal encarada senhora, surge na ponta da sua língua outra pergunta, a qual é cuspida de forma rápida e direta:
-Quantas escrivaninhas há?
- Há duas escrivaninhas! Por quê? O senhor é da polícia? Da ABIN?
Já sem se questionar, mas sem ainda encontra uma justificativa, ignora a contra pergunta da senhora e embala no interrogatório.
- Há quantas cadeiras?
- Há quatro cadeiras - responde, mas já se intimidando a senhora.
A senhora já está mostrando impaciência e desconfiança. Parece estar mascando um chiclete, mas ele sabe que não está. E a sabatina continua:
- O que há na parede?
Agora a resposta é aos berros, ausente de qualquer resquício de paciência:
- O senhor é cego? Há alguns quadros na parede. E um relógio!!
- São três e meia - conclui o homem.
- Então o senhor recobrou a visão? E ainda leu o relógio! Parabéns! - ironiza a velha senhora.
Apesar da falta de educação da senhora, centrado como um monge tibetano o homem prossegue com seu variado "quiz":
- Há alguém neste escritório?
Cada vez mais irritada, a senhora joga as mãos para cima, balbuciando um "puta que me pariu!", e responde sem gritar:
- Não, agora não há ninguém.
- Há alguma coisa sobre a mesa?
- Sim, há alguma coisa.
O homem não satisfeito com a resposta aponta para os itens que repousavam sobre a escrivaninha da senhora, como que pedindo para ela ser mais específica em suas respostas.
- Há várias coisas. Flores e uma garrafa de vinho. Mas por que o senhor não diz logo o que você quer? Eu não tenho o dia todo para ficar perdendo com palhaçadas como esta. Se continuar aí perguntando sem me explicar porque nos procurou, vou chamar a polícia! O manicômio! Ou até mesmo o doutor Oswaldo, assim que ele voltar!
- Onde ele foi?
- Comprar escrivaninhas!
- Há alguma coisa sobre a cadeira?
E assim se deu a completa perda de razão da senhora, que explodiu. Sem levantar da cadeira, berrando o máximo que sua garganta aguenta respondeu à pergunta cretina do homem:
- De novo com essas perguntas? Que cadeira? A minha? Olha o meu tamanho senhor!! Se eu não sou alguma coisa, então sou... Mas que porra de pergunta é essa? Algum freudianismo existencialista? Certamente não é uma descrição parnasiana dos seus arredores, pois o senhor é mais limitado de pergunta do que nós somos de escrivaninhas! Quer uma descrição física do que há na cadeira? Há noventa e quatro quilos de carne, e um monte de gordura antes que o senhor diga! Noventa e quatro quilos de carne que vem aqui todo santo dia pontualmente às oito horas da manhã, e precisa ficar aqui até as dezessete horas aturando imbecis como o senhor. Sou mãe de família, preciso cuidar dos meus filhos, aturar o doutor Oswaldo, assinar uns papeis e sempre pagar propina quando chega um fiscal, em frente das próprias câmeras de segurança. Tudo isso para no dia do meu aniversário eu ganhar de presente umas florzinhas michas e uma porcaria de vinho da promoção do Carrefour. Quer saber o que tem nessa cadeira além de tanta carne e gordura? Há um retrato metafórico de uma infância feliz, que teve seus sonhos lacerados por um desenvolvimento humano sem oportunidades, culminando em um cotidiano medíocre que acorrenta qualquer coisa em mim que demonstre o mínimo de originalidade. Mas há também nesta bosta de cadeira, esperança e sonhos ainda não maduros de momentos felizes em viagens a lugares bonitos, com pessoas não tão imbecis como o senhor. Vamos observar o por do sol e ignorar a ironia da nossa civilização que se autodestrói enquanto elucubra uma explicação transcendental para o sentido da vida.
O homem ali parado, ouvindo sem perplexidade nenhuma os comentários da senhora retruca:
- Não, não há nada. Nada mesmo.
E sai da sala sem demonstrar nenhuma comoção.
A senhora ataca o vaso de flores no chão desesperada, tenta se aliviar com alguns gritos histéricos, abre a gaveta e toma meio vidro de antidepressivos.
***
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