Bati o carro. A única explicação plausível para a situação que estava. Cacos de vidro entre meus dedos, barulho de serra nas minhas orelhas e ferragens estranhas me impedindo de me movimentar. O sangue espesso que sentia em meus pés era meu? Sim. Sou retirado um tanto quanto fraco, mas não reivindico ajuda dos bombeiros. Sigo meu caminho ainda sangrando um pouco. Sinto frio.
Não entendia muito bem o caminho. Me sentia enfraquecido, talvez pela batida ou pela perda de sangue. Deparo-me com um puteiro. Entrei nele e procurei por uma loira que preste. Paguei o triplo do preço para ela, afinal meu estado era repulsivo. Ela não se deitaria comigo pelo preço normal. Mas deitou. Só deitou. Paguei para ficarmos deitados, com ela dizendo ao pé do meu ouvido que ficaríamos juntos para sempre. Dei-lhe o último centavo do dinheiro combinado. Estava feliz por fazer com que o dinheiro não camuflasse nenhum interesse egoísta atrás de uma falsa nobreza admirável.
Sentia muita dor nas pernas, talvez tivesse um fêmur fraturado. Mas minha apatia era maior que a dor, e isso me fazia não parar. Sem ainda entender o caminho, entrei num beco. Três adolescentes e algumas gramas de cocaína. A cada aspirada daquela suprimia mais minhas dores. Após a última carreira, cuspi um tanto de sangue no chão e quis andar mais.
Achei minha casa. Ao entrar num surto de raiva destruí móveis e decorações. Rasguei e queimei fotos da minha família. Sem me importar entro no quarto e me deparo com um demônio na cama. Pele avermelhada, rija, com veias saltando. Um sorriso plastificado em seu rosto. Ácido. A dor voltava e me sentia cada vez mais fraco. Sentei na cama, por cima dele passando uma perna minha em cada lado de seu tronco. Ele era horas quente, a ponto de me queimar e horas frio, a ponto de deixar minha carne quase quebradiça.
Experimentei uma sensação completamente nova. Que não poderia ser explicada como a sensação de dor ou a sensação causada pela cocaína. Ele ainda estava ali, mas já não sorria. Sai de cima daquele demônio, procurei por um cobertor e o cobri dos pés até o pescoço. Sentei-me no chão, ao lado da cama, envolvi uma de suas mãos à minha e comecei a cantarolar baixo. Havia votos de boas coisas em todas as notas da música. Sua respiração era cada vez mais ofegante. Deitei-me ao seu lado, e disse que toda a andança dessa noite era errada, mas estava feliz por mandar ao inferno minhas curiosidades indevidas sobre sua existência. Cantarolei mais alguma coisa até pegar no sono.
Acordei com uma luz forte no meu rosto e senti alguém pulando em cima de mim. Era minha mulher, me batendo com um travesseiro. Me chamava de preguiçoso vagabundo enquanto ria. Roubou-me um beijo e pediu ao pé do meu ouvido que levantasse, para dividir o resto do dia com ela. Saí da cama sentindo meu corpo absurdamente dolorido. Ouvi dela que estava tudo pronto e fui conduzido até a sala. No sofá duas malas coloridas e meus filhos sentados à mesa terminando o café e disputando o mais novo brinde do cereal. Logo que me viram correram para me abraçar, quase me derrubando ao chão. Na estante, fotos da família desde o casamento até os tempos de hoje em dia.
Saímos à rua, toda arborizada e num dia ensolarado caminhávamos. Eu, minha mulher e meus filhos. Um de cada lado de mim, conversando entre si:
- Você viu que fazem exorcismos naquela igrejinha?
- Que nada, tudo mentira!
- Ah! Você está com medo de ir lá e ver um demônio!
- Que medo que nada! Pai, existem demônios?
- Talvez tenha existido filho, mas não mais, não mais...
***
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2 comentários:
Gente do céu!!!
Que droga vc usou???rs
Bjuuus
Fantástico...
Disputa com Vegas o meu post preferido!
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