Já perdi a noção de onde estou. Não sei mais se aqui é a Augusta ou a Consolação. Mas não importa. O que eu sei é que está esfriando. Mas, ainda bem que me deixaram dormir aqui em frente ao estacionamento.
Antes de ontem roubaram meu cobertor. Tive que dormir num papelão ontem. Puta frio! Mas hoje já consegui outro. Eu não roubei não, foi uma moça que passou por aqui e eu pedi. Ela disse que voltava e eu não acreditei. As pessoas nunca voltam, só algumas. Bem poucas na verdade. Mas essa voltou, e trouxe exatamente o que eu precisava. Um cobertor. Acho que foi Deus que falou para ela.
Faz tempo que não durmo próximo a mais de uma parede assim. Protege do vento. Só o cobertor dá. Quando to na calçada, precisa de cobertor e papelão. E se garoa esfria mesmo! De tremer o queixo quando sonha.
Fui andando atrás de comida e fui parar bem longe. Não sei direito onde. Mas quis voltar para cá, perto da Augusta. Tem gente por aqui a madrugada toda, é menos chance de dar merda. Achei antes de escurecer e deitei aqui. Os caras lá ficaram me olhando e o de azul não gostou não. Ficou encarando. Mas o magrinho "trocou idéia" com ele e me deixaram aqui.
Se eu estivesse atrás daquele balcão arrumado como eles, acho que faria a coisa direito, e não deixaria um mendigo sujo deitado no muro do meu estacionamento. Eu ia me chutar muito se estivesse em pé e limpo. Mendigo sujo! Imundo!
Agora to aqui, deitado e imóvel. Só mexendo os olhos e respirando. Eles nem olham mais para mim. To igual a um saco de lixo encostado no muro. Mas e daí? A rua é suja mesmo. Talvez eu seja varrido junto com a sujeira. Eu conto o tempo, vendo o vento varrer o lixo da rua. Logo mais ele me leva também.
Chegou mais um carro e estacionou lá atrás. Ouço muitas risadas. Cinco pessoas alegres. Elas sim estão vivas, não se parecem com um saco de lixo. Limpos, arrumados. Enquanto um arruma o cabelo o outro fica me encarando. Acho que deve querer chutar o lixo vivo aqui, como o idiota de azul.
E entre os risos e sorrisos deles, nenhum sorriso me olha. E quando me olham, por segundos que sejam, os sorrisos se apagam. Sou uma má noticia para eles.
E vão todos embora. Mas não posso culpá-los, porque sempre selecionei as más notícias que pretendia ignorar e incomodavam meu sorriso. Afinal, já é hora da balada.
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